segunda-feira, 15 de novembro de 2010

quem viu me diz

Quem viu? Me diz.

Quem viu?

Se as cores manchavam o quadro

Se a noite enganava a visão

Se os olhos, tão claros, perdidos vagaram

no meio, por entre os vãos


Quem viu? Me diz.

Quem viu?

Se quando a voz alcançou,

Se quando o braço tocou,

Se quando o ar, relaxado, com as armas ao chão

se viu afastado, coitado, pro chão


Quem viu? Me diz.

Quem viu?

Se o riso no lábio fingia

Se a vontade perdia pro amor

Se o jogo, sem regra, se fazia sozinho

pra sempre, quem sabe, ou não


Quem viu? Me diz.

Quem viu?

Se a manhã foi embora

Se a tarde é sem fim

Se agora, sozinho, penso e quase decido

que então é, que então foi, que seremos sempre.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Amor de Naftalina

Tirei do fundo do armário

uma antiga camiseta sua

Que escondida ali estava

com as lembranças de nós dois


Era uma bem antiga

com a cor já desbotada

E eu me lembro ainda agora

ser das que você mais gostava


Na memória vi seu corpo

preenchendo a camiseta

Me abraçando sem esforço

me acalmando da tristeza


Hoje eu vejo a camiseta

desbotada e bem usada

Como a nossa velha história

que eu já quase nem lembrava


Quis me recordar teu cheiro

só que já não conseguia

Hoje o nosso velho amor

cheira a naftalina


Vou guardar a camiseta

bem no fundo do armário

Pra restar como lembrança

desse velho amor usado

domingo, 8 de março de 2009

Ser/Estar

Se eu nunca voltar a ser
digam, por favor, que já fui.
Onde estiver, como estiver,
estarei sempre para ser
aquele que já não está.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Escrevo-te

Escrevo-te hoje porque é preciso. Porque já não resta para quem escrever, porque já não há quem me possa entender. Porque se faz necessário transformar em palavras essa angústia que, talvez, jamais cesse. Escrevo-te hoje porque sei que, mesmo que não me entendas, não me reprimirás pelo que tenho a dizer. Escrevo-te porque assim desaguo o rio que sempre corre dentro sem nunca encontrar seu mar. E faço-te hoje meu mar, para acolher minhas águas e tudo o mais o que a correnteza esteja a arrastar; porque assim conterás o que em mim sempre insiste em não caber.

Escrevo-te sobre essas coisas pequenas que se acumulam em mim e sobre as quais não tenho condições de falar; essas coisas miúdas que quase não são percebidas, mas que se ajuntam e apóiam-se, que se escondem e afogam-me; essas que não se mostram, mas que contaminam cada gota desse rio, que se acumulam nas curvas e enterram-se no leito. Essas coisas que definem quem seremos.

Escrevo-te com a ânsia de descobri-las todas, de encontrá-las todas, de desculpá-las todas. Escrevo na esperança de saber quais delas me definem e quais me definham; quais me empurram e quais me espremem. Mas não encontro nas palavras a possibilidade de contar-te quais são as coisas, pois ainda não sei quais não são. Talvez se estivesses aqui eu encontrasse, pelo atrito, pela diferença, pelo contato, as minhas em oposição às tuas. Mas a distância que nos aflige só me permite perceber a própria distância. E nela projetar as coisas todas que sonho ser. Então inundo o rio com uma chuva de esperanças e vontades e impossibilidades possíveis, que levantam o lodo e escurecem as águas e misturam as coisas todas que a correnteza arrasta: o que sou, o que quero, o que tenho e o que escondo.

Escrevo-te, talvez, para escapar de ti. Ou de mim. Porque já não há pra onde correr se teu mar não me acolherá. Porque se faz necessário encontrar outra direção para onde levar esse rio, antes que ele ultrapasse as margens e inunde o que é mais. Porque talvez seja o momento de não mais buscar onde desaguar; porque talvez não tenha percebido que não sou apenas o rio que busca um mar: sou rio e mar. Sou busca e encontro; sou caminho e chegada.

Escrevo-te, então, porque para mim preciso dizer: para abraçar e ser abraçado é preciso estar livre. As chuvas há muito passaram, e as águas começam a clarear. Escrevo-te porque sei que é agora o momento de buscar essas coisas que ali estão: no leito, na água, nas curvas. Todas as que já estão, todas as que precisam partir, todas as que precisam chegar. Faço-me rio e mar, na certeza de cortar as terras e lamber as praias. Escrevo-te para não partires: sou eu que devo chegar.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Been

(an attempt to write a song)

I've been mine and theirs
I've been here and there
Seen it all, done it all
Digged the hole, climbed the wall

I've been saved and cursed
been played and punished
Played my part, took a bow
lived the ups, cried the downs

why don't I ask you now
for that little joy?
The one that tears your soul
and makes you fall
why can't I ask you now
for that little pain?
The one that rips your heart
and drains your veins

I've been the one and only
I've been the untouchable one
felt like god on earth
fell straight to hell

I've been the better choice
Been the big mistake
dove to the endless bottom
raised to the infinite sky

why don't I ask you now
for that little joy?
The one that tears your soul
and makes you fall
why can't I ask you now
for that little pain?
The one that rips your heart
and drains your veins

domingo, 21 de dezembro de 2008

Um Outro Poeminha Bem Clichê

Se é pra falar de você

Toda forma tem ar de clichê

Os versos, frente -e verso,

Nunca dizem porquê

E caio sempre num dizer sem dizer


Rimar dor com amor

Depois mel, céu e fel

Só me traz a certeza de que

Essa história de eu mais você

Já não tem mais nenhuma fineza


Se era rico, agora é pobre

Se era livre, ficou preso ao cobre

Uma métrica mal planejada

Se estendeu pela mão calejada

Mas não deu divisão nada heróica


Ponto, vírgula ou reticências

Nada entrava no lugar correto

Hoje exclamo que o amor não dá certo

E questiono sua ortografia

Percebendo sua falta de nexo


Construído no lugar-comum

Veio um, e mais um, e mais um

Acabado por ser mais nenhum

Desgraçado por ter quer rimar

Dor com dor, mel com fel, dar e amar

terça-feira, 24 de junho de 2008

Fizesse Silêncio

Fizesse silêncio

ao invés de dizer o que não se dá pra dizer;

Por contrários dizer o que pulsa,

entortando o sentido

que se mantem aceso na pouca brasa

que parece restar.


Fizesse silêncio

e não cantasse outras canções,

pois as melodias são feias como feio não é

o sentido que se esconde,

como se a voz fosse rouca

e o ouvido tapado.


Fizesse silêncio

e assim impedisse o rufar de um tambor

que acelera as correntes

e quase quebra as costelas

quando o sangue ainda é quente

e o passado é de guerra.


Fizesse silêncio

se soubesse que o tempo é sábio

e se por tanto não esquece

é porque se merece:

outra folha se arranca

e mais próximo se está.


Fizesse silêncio

para não arriscar ser ouvido

pois no mundo há aquele

que aguarda escondido

pra saber meio torto

do que resta sentido.