quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O Mar é tão Seco quanto o Deserto

o mar é tão seco quanto o deserto


Molho-me na areia da solidão

Um deserto é cheio de pequenos grãos

Como cheia é de gente essa cidade


O mar que transborda de mim

e o sal que vaza dos meus olhos

aumentam a sede que inunda minha boca


o mar é tão seco quanto o deserto


As ondas em movimento

Atingem a costa que se faz peito

e arranham o pouco ar que me afoga


As dunas se movimentam

e os ventos meu fôlego tiram

E encharcam de peso meus pensamentos


o mar é tão seco quanto o deserto


O sol estende o horizonte

E o ar esquenta a minha fronte

Nadando por secas praias


A lua me banha os dias

E as noites não são mais frias

que os passos que dou na areia


o mar é tão seco quanto o deserto


Acordo afogado em brasas

Afundo batendo as asas

Pescado no desespero


Um oásis por entre as ondas

Uma ilha onde a areia aponta

Onde encontro um de mim mais forte


Se a lua banhasse a terra

e as estrelas guiassem a vera

Meu astro seria eu


mas o mar é tão seco quanto o deserto

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

2ª Pessoa

Não habita em mim um desejo incontido de te ter aqui;

Encontro em mim uma saudade solar,

uma vontade enorme de dividir contigo cada bobagem que me tornei,

contar meus sonhos, meus medos, meus contos ponto-a-ponto;

Deixar em ti um pouco do que fui e serei

enquanto sou quem sou.


Passo os dias angustiado com não-sei-o-quês

Mas se paro e penso em ti

Em pouco uma certeza me aquece

E novamente não estou à frente ou atrás:

apenas estou.


Ontem senti teu cheiro por aí.

Duas vezes.

Caminhava pela rua quando senti um cheiro

que seria qualquer há uma semana

mas, então, já não era;


Reconheço em ti um sabor meu

E, quando contigo, sou mais eu que quando só.

Teus olhos são vivos como o mundo

Tua pele, branca

Teus cabelos tão cheios da confusão que há na tua cabeça

Teus dentes, e os meus

Teus pêlos e os meus

Teu latido me deixa perdido e louco

Teu sopro, teus beijos... Ah, teus beijos!

Tua voz rouca em meu ouvido

Teu cheiro... Ah, teu cheiro!

Me encontrei ao senti-lo na rua

e nas lembranças dele me perdi lembrando de você.


Sei tão pouco de ti,

Ainda sei tão pouco de ti;

Mas já não és só mais um.

Teu sorriso me acalma o peito

Não jogas com o que tens pra dizer

Só dizes, como eu;


“Me encantas”, “eres lindo”,

“I like u”, “love u”,

Tudo num tempo tão próprio,

Um tempo que se estende

E só atende ao pedido de fazer-se verdadeiro.


Tua canção, tua paixão.

Não quero ser maior do que nada que já tens;

Quero ser o novo como és novo para mim,

Como vens criar o novo em mim;

Não quero ser nada além daquilo que vim ser:

Companheiro, ouvido, calor.


Sorrio à menor lembrança tua:

já estás presente.

Te vejo num daqui a pouco,

Em sonhos, em letras, em corpo;

O tempo que se faz de espera é aliado do que há pra se viver.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Rugas

Tenho a impressão que hoje nasceram rugas em minha face
Senti a pele perder a força no mesmo instante em que meu coração perdia um tempo
Minha voz grave tornava silenciosas as luzes que se agitavam ao seu redor
Meu peito se fechava e esvaziava a dor ao perceber que o corpo sofre os impactos da imprudência com mais força e asco que os devaneios adolescentes dos amores de panos de cobrir camas
Sentia que a leveza se mantinha leve, a pureza permanecera pura, a alegria das cores ainda falava
Mas um outro espaço se fizera entre os todos e os tudos
Espaço de gravidade e fundura, nascendo da adolescência e da imprudência
Por que fui tão tolo? O coração se cura, as feridas do afeto cicatrizam, mas quem fecha a dor de não ser mais senhor de seu tempo?
Os fatos são menores, mas o que importa?
Tenho tanto para escrever sobre tantas coisas, mas não escrevo
Às vezes me afogo no meu silêncio
Vezes e vezes morri submerso nessas águas mudas
Em ondas vazias que se quebram na beira de praias de vácuo e lembrança
Não sei quantas vidas restam pra eu desperdiçar nesses naufrágios cheios do meu silêncio que mata
Há dias em que uma coisa acontece
Uma coisa pouca que nem muito tempo toma
E tudo que escrevi ou teria escrito já não tem mais minha caligrafia
Há um dia que redefine todos os que foram
E os que virão
Hoje eu vi as rugas nascendo em meu rosto
E descobri que ainda nada foi descoberto